O que os espíritas precisam saber XI
Os períodos do Espiritismo
Os fenômenos espíritas surgiram primeiramente na América, onde se ampliaram as experiências materiais. Só depois o Espiritismo se desenvolveu na França. Explica Kardec:
Ocorre frequentemente que uma ideia nasce num país, e se desenvolve em um outro, assim como se vê pelas ciências e pela indústria. Sob esse aspecto o gênero americano fez suas provas, e nada tem a invejar à Europa; mas, se excede em tudo que concerne ao comércio e às artes mecânicas, não se pode recusar à Europa o das ciências morais e filosóficas. (KARDEC, [RE] 1864, p.96)
Kardec refere-se às ciências morais, expressão própria do francês, que equivalem ao que chamamos ciências humanas. Entre elas, naquela época, havia as ciências filosóficas (desenvolvidas nas universidades e ensinadas aos jovens nos liceus), disciplinas criadas a partir da psicologia experimental espiritualista. Nessa, o ser humano era considerado como uma “alma encarnada”. Ou seja, encontrava-se na Europa o ambiente absolutamente adequado para o estabelecimento do Espiritismo filosófico, que rapidamente conquistou hegemonia com sua proposta:
Em consequência dessa diferença no caráter normal dos povos, o Espiritismo experimental estava sobre seu terreno na América, ao passo que a parte teórica e filosófica achava na Europa os elementos mais propícios ao seu desenvolvimento, também foi ali que ela nasceu: em poucos anos conquistou o primeiro lugar. (Ibidem)
A história do Espiritismo inicial na França é bem conhecida. Mas Kardec, para explicar seu longo desenvolvimento, o dividiu didaticamente em seis períodos: o período da curiosidade, o filosófico, o de luta, o religioso, o intermediário e, por fim, o período da renovação social. Vamos descrevê-los, sugerindo uma interpretação de suas cronologias e características.
Numa primeira fase, as mesas girantes despertaram a curiosidade popular, portanto: período da curiosidade. Depois, alguns grupos de pesquisa, como o do senhor Jean-Pierre Roustan, por meio da sonâmbula e médium Ruth Celine Japhet, que desde 1849 questionavam os Espíritos, na rua Tiquetonne, 14; trabalho frequentado por eminentes personalidades que, durante cinco anos, elaboraram questões científicas, filosóficas e morais sobre as mais diversas questões que interessam à compreensão dos destinos da humanidade. Certamente não foi uma coincidência a presença de cientistas e filósofos nesse grupo de precursores:
Nestes últimos tempos, um tão grande número de escritores e de filósofos tratou de sondar esses misteriosos arcanos, porque tantos sistemas foram criados tendo em vista resolver as inumeráveis questões permanecidas insolúveis. […]. Se todos esses sistemas não chegaram à verdade completa, é incontestável vários dela se aproximaram ou a roçaram, e que a discussão que dela foi a consequência preparou o caminho dispondo os Espíritos a essa espécie de estudo. Foi nessas, circunstâncias, eminentemente favoráveis, que chegou o Espiritismo. (KARDEC, [RE] 1863, p.196)
Quando as ciências filosóficas se estabeleceram na Sorbonne, o livreiro Pierre-Paul Didier (1800-1865) dedicou-se a publicar o registro estenográfico das aulas dos grandes professores fundadores do Espiritualismo Racional, como Victor Cousin e Jouffroy. Ele conhecia todos eles muito bem.
Didier esteve na reunião mediúnica de Roustan e Japhet que, segundo AKSAKOF ( 1875, p. 74-75), contou com professores como: Saint-René Taillandier ( 1817-1879), historiador e homem de letras, acadêmico que participou da reformulação da educação pelo Espiritualismo Racional; Amédée Thierry ( 1797-1873), historiador especializado na história dos gauleses, na doutrina druídica, ancestral da Doutrina Espírita, conforme Kardec; Abel François Villemain ( 1790-1870), audacioso defensor do pensamento liberal que lutou contra a censura e foi favorável à retirada do catolicismo como religião do Estado, fez parte da Academia Francesa, tendo, depois de 1844, renunciado ao cargo de ministro da Educação e se dedicado às ciências, sendo importante patrono da literatura da França. Também participou da reunião o educador e acadêmico espanhol Ramon de la Sagra²¹ ( 1798-1871), liberal que lutou pelos excluídos da sociedade, visitando presídios, asilos, orfanatos por todo o mundo, defendendo a ideia de que a educação é a chave para promover a igualdade de oportunidades para todos, abrindo caminho para um mundo novo, e promovendo os ideais de Rousseau e Pestalozzi. O mais novo dos participantes foi Victorien Sardou ( 1831-1908), que seria grande amigo de Rivail e atuaria como médium na Sociedade Parisiense; na época, apenas iniciava sua carreira como dramaturgo, e suas peças foram muitas vezes censuradas por suas críticas sociais e ideias políticas. Anos depois, Gabriel Delanne, fiel pioneiro da obra espírita, escreveu: “Em França, a escola eclética brilhou com vivo clarão sustentando a tese espiritualista. As vozes eloquentes de Jouffroy, Cousin, Villemain, demonstraram a existência e imaterialidade da alma, com tal evidência que lhes coube a vitória no terreno filosófico”. ( DELANNE, 2004).
Didier, que publicou os livros da maioria desses professores, viria a ser o editor das obras de Allan Kardec, sendo também membro fundador da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas; foi “um dos adeptos mais sinceros e devotados, editor inteligente, justo apreciador, consciencioso e prudente, quanto o era para fundar uma casa séria como a sua”. ( KARDEC, [RE] 1866, p. 261)
Todos esses pensadores fizeram perguntas inteligentes, adotando a psicologia espiritualista e as ciências filosóficas como guia, e anotaram tudo cuidadosamente em cinquenta cadernos, entregues ao professor Rivail em 1854. Os acadêmicos e escritores do grupo não podiam se dispor a organizar tão complexo trabalho. Coube à dedicação e interesse de Rivail a organização dos temas, a eliminação das repetições, o preenchimento dos vazios, o aprofundamento das explicações, o questionamento das ideias. Para auxiliar nessa tarefa do diálogo com os Espíritos superiores, Rivail tinha à sua disposição as sessões do senhor Plainemaison, esposa e as duas filhas (Julie e Caroline) da família Baudin, o senhor Rose, a psicografia experimentada da médium Celine Japhet na casa do senhor Roustan, Ermance Dufaux, senhor Croset, Aline Carlotti, entre outros, totalizando o auxílio de mais de dez médiuns para a elaboração de O Livros dos Espíritos, que, como se sabe, tinha 501 perguntas em sua primeira edição, quando chegou à livraria no dia 18 de abril de 1857.
21. Veja mais informações sobre De la Sagra e demais professores em FIGUEIREDO, 2016, p. 526-9.
Referência:
1- Autonomia: a história jamais contada do Espiritismo/ Paulo Henrique de Figueiredo – São Paulo (SP): Fundação Espírita André Luiz, 2019.