O que os espíritas precisam saber XI

24 de Maio de 2025 Não Por Sergio França Martins

Os períodos do Espiritismo
Os fenômenos espíritas surgiram primeiramente na América, onde se ampliaram as experiências materiais. Só depois o Espiritismo se desenvolveu na França. Explica Kardec:
Ocorre frequentemente que uma ideia nasce num país, e se desenvolve em um outro, assim como se vê pelas ciências e pela indústria. Sob esse aspecto o gênero americano fez suas provas, e nada tem a invejar à Europa; mas, se excede em tudo que concerne ao comércio e às artes mecânicas, não se pode recusar à Europa o das ciências morais e filosóficas. (KARDEC, [RE] 1864, p.96)
Kardec refere-se às ciências morais, expressão própria do francês, que equivalem ao que chamamos ciências humanas. Entre elas, naquela época, havia as ciências filosóficas (desenvolvidas nas universidades e ensinadas aos jovens nos liceus), disciplinas criadas a partir da psicologia experimental espiritualista. Nessa, o ser humano era considerado como uma “alma encarnada”. Ou seja, encontrava-se na Europa o ambiente absolutamente adequado para o estabelecimento do Espiritismo filosófico, que rapidamente conquistou hegemonia com  sua proposta:
Em consequência dessa diferença no caráter normal dos povos, o Espiritismo experimental estava sobre seu terreno na América, ao passo que a parte teórica e filosófica achava na Europa os elementos mais propícios ao seu desenvolvimento, também foi ali que ela nasceu: em poucos anos conquistou o primeiro lugar. (Ibidem)
A história do Espiritismo inicial na França é bem conhecida. Mas Kardec, para explicar seu longo desenvolvimento, o dividiu didaticamente em seis períodos: o período da curiosidade, o filosófico, o de luta, o religioso, o intermediário e, por fim, o período da renovação social. Vamos descrevê-los, sugerindo uma interpretação de suas cronologias e características.
Numa primeira fase, as mesas girantes despertaram a curiosidade popular, portanto: período da curiosidade. Depois, alguns grupos de pesquisa, como o do senhor Jean-Pierre Roustan, por meio da sonâmbula e médium Ruth Celine Japhet, que desde 1849 questionavam os Espíritos, na rua Tiquetonne, 14; trabalho frequentado por eminentes personalidades que, durante cinco anos, elaboraram questões científicas, filosóficas e morais sobre as mais diversas questões que interessam à compreensão dos destinos da humanidade. Certamente não foi uma coincidência a presença de cientistas e filósofos nesse grupo de precursores:
Nestes últimos tempos, um tão grande número de escritores e de filósofos tratou de sondar esses misteriosos arcanos, porque tantos sistemas foram criados tendo em vista resolver as inumeráveis questões permanecidas insolúveis. […]. Se todos esses sistemas não chegaram à verdade completa, é incontestável vários dela se aproximaram ou a roçaram, e que a discussão que dela foi a consequência preparou o caminho dispondo os Espíritos a essa espécie de estudo. Foi nessas, circunstâncias, eminentemente favoráveis, que chegou o Espiritismo. (KARDEC, [RE] 1863, p.196)
Quando as ciências filosóficas se estabeleceram na Sorbonne, o livreiro Pierre-Paul Didier (1800-1865) dedicou-se a publicar o registro estenográfico das aulas dos grandes professores fundadores do Espiritualismo Racional, como Victor Cousin e Jouffroy. Ele conhecia todos eles muito bem.
Didier esteve na reunião mediúnica de Roustan e Japhet que, segundo AKSAKOF ( 1875, p. 74-75), contou com professores como: Saint-René Taillandier ( 1817-1879), historiador e homem de letras, acadêmico que participou da reformulação da educação pelo Espiritualismo Racional; Amédée Thierry ( 1797-1873), historiador especializado na história dos gauleses, na doutrina druídica, ancestral da Doutrina Espírita, conforme Kardec; Abel François Villemain ( 1790-1870), audacioso defensor do pensamento liberal que lutou contra a censura e foi favorável à retirada do catolicismo como religião do Estado, fez parte da Academia Francesa, tendo, depois de 1844, renunciado ao cargo de ministro da Educação e se dedicado às ciências, sendo importante patrono da literatura da França. Também participou da reunião o educador e acadêmico espanhol Ramon de la Sagra²¹ ( 1798-1871), liberal que lutou pelos excluídos da sociedade, visitando presídios, asilos, orfanatos por todo o mundo, defendendo a ideia de que a educação é a chave para promover a igualdade de oportunidades para todos, abrindo caminho para um mundo novo, e promovendo os ideais de Rousseau e Pestalozzi. O mais novo dos participantes foi Victorien Sardou ( 1831-1908), que seria grande amigo de Rivail e atuaria como médium na Sociedade Parisiense; na época, apenas iniciava sua carreira como dramaturgo, e suas peças foram muitas vezes censuradas por suas críticas sociais e ideias políticas. Anos depois, Gabriel Delanne, fiel pioneiro da obra espírita, escreveu: “Em França, a escola eclética brilhou com vivo clarão sustentando a tese espiritualista. As vozes eloquentes de Jouffroy, Cousin, Villemain, demonstraram a existência e imaterialidade da alma, com tal evidência que lhes coube a vitória no terreno filosófico”. ( DELANNE, 2004).
Didier, que publicou os livros da maioria desses professores, viria a ser o editor das obras de Allan Kardec, sendo também membro fundador da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas; foi “um dos adeptos mais sinceros e devotados, editor inteligente, justo apreciador, consciencioso e prudente, quanto o era para fundar uma casa séria como a sua”. ( KARDEC, [RE] 1866, p. 261)
Todos esses pensadores fizeram perguntas inteligentes, adotando a psicologia espiritualista e as ciências filosóficas como guia, e anotaram tudo cuidadosamente em cinquenta cadernos, entregues ao professor Rivail em 1854. Os acadêmicos e escritores do grupo não podiam se dispor a organizar tão complexo trabalho. Coube à dedicação e interesse de Rivail a organização dos temas, a eliminação das repetições, o preenchimento dos vazios, o aprofundamento das explicações, o questionamento das ideias. Para auxiliar nessa tarefa do diálogo com os Espíritos superiores, Rivail tinha à sua disposição as sessões do senhor Plainemaison, esposa e as duas filhas (Julie e Caroline) da família Baudin, o senhor Rose, a psicografia experimentada da médium Celine Japhet na casa do senhor Roustan, Ermance Dufaux, senhor Croset, Aline Carlotti, entre outros, totalizando o auxílio de mais de dez médiuns para a elaboração de O Livros dos Espíritos, que, como se sabe, tinha 501 perguntas em sua primeira edição, quando chegou à livraria no dia 18 de abril de 1857.
21. Veja mais informações sobre De la Sagra e demais professores em FIGUEIREDO, 2016, p. 526-9.

Referência:
1- Autonomia: a história jamais contada do Espiritismo/ Paulo Henrique de Figueiredo – São Paulo (SP): Fundação Espírita André Luiz, 2019.