O que os espíritas precisam saber XVI

16 de Setembro de 2025 Não Por Sergio França Martins

O Memorial do Espiritismo
Uma mobilização em torno do ideal de recuperar a mensagem original tocou a alma de espíritas do Brasil e do exterior. O CDOR recebeu apoio, auxílio e esforço voluntário de centenas de pessoas. Tocadas pela grandeza do projeto, a equipe da Fundação Maria Virgínia e José Herculano Pires, representada por seu filho Herculano, Heloísa, e também de Antônio Carlos Molina; estabeleceu-se uma parceria. O CDOR irá higienizar, acondicionar e digitalizar, somando ao seu acervo digital os documentos, fotografias, manuscritos e obras dos amigos, escritores e jornalistas espíritas Herculano Pires (1914-1979), Jorge Rizzini (1924-2008) e Júlio de Abreu Filho (1893-1971).
Além desses lúcidos pensadores do Espiritismo, também Luciano Costa, Carlos Imbassahy, Deolindo Amorim, Nazareno Tourinho, Wilson Garcia. Todos lançaram livros no século anterior, em palestras e artigos lutaram para divulgar o Espiritismo como obra resultante do esforço de Allan Kardec, batalhando bravamente contra os desvios e as mistificações, como o roustainguismo. Em O verbo e a carne, Herculano faz um apelo, afirmando que “não é possível calar diante da astúcia dos mistificadores e da fascinação dos a aceitam e aplaudem”. E completa:
É dever dos espíritas sinceros combater a mistificação roustainguista neste alvorecer da Era Espírita no Brasil. Ou arrancamos o joio da seara ou seremos coniventes na deturpação doutrinária que continua maliciosamente a ser feita. O Cristo agênere é a ridicularização do Espiritismo, que se transforma num processo de deturpação mitológica do Cristianismo. A doutrina do futuro nega-se a si mesma e mergulha nas trevas do passado. O homem-espírita, vanguardeiro e esclarecido, converte-se no homem da era anticristã, no crente simplório das velhas mitologias. (PIRES, 1972, p. 61)
E Herculano termina com uma citação de Edmund Burke: “Para o triunfo do mal, basta que os bons fiquem de braços cruzados”.
Ainda havia mais por vir, considerando a trajetória inicial do CDOR, na tarefa de reunir a memória do Espiritismo na França e no Brasil.
Convocado para um congresso espírita em Uberaba, considerei uma boa oportunidade para levar ao Museu Chico Xavier, entregando ao seu filho adotivo, Eurípedes, a correspondência entre Canuto e o médium sobre as cartas de Kardec. Pedi a um amigo comum, o promotor de justiça Thales Cerqueira, a gentileza de marcar uma reunião. Chegando à casa do médium, onde eu já estivera mais de trinta anos antes por algumas vezes, me surpreendi com a preservação dos ambientes ainda presentes na memória. A mesma cozinha, quintal, quartinho simples. Parecia que ele ainda estava por ali.
Eurípedes me recebeu alegre e acolhedor. Ouvindo que queria conversar, foi logo dizendo:
— Vamos a um lugar especial, sentaremos ao lado da cama de meu pai.
— Trago cartas manuscritas trocadas entre Chico e Canuto, sobre a preservação do acervo de Kardec – eu lhe disse, entregando as cópias dos documentos.
— Pois o Chico me alertou para fazer o mesmo com tudo o que ele havia guardado pessoalmente. Seus livros, psicografias inéditas, bilhetinhos com pensamentos, versos, ideias. Cartas, fotografias, enfim, um legado. Confiou a mim a tarefa de guardá-los, pois me alertou que muitos tentariam se apossar sem ter esse direito – explicou Eurípedes.
Narrei todos os passos para a preservação e a divulgação de acervo de Canuto, e sobre a importância de todo esse material para a Doutrina Espírita.
Examinando tudo cuidadosamente, baixou as folhas sobre o colo, olhando fixamente para um ponto vazio. Inesperadamente, disse-me:
— Pois vocês vão preservar, digitalizar e divulgar o legado do Chico, junto ao de Kardec. — Levou-me a um quartinho mais afastado, contendo cofres e armários, deles retirou diversas pastas com os materiais inéditos do médium e, ao me entregá-los, recomendou: – Leve-os a São Paulo. Depois farei uma visita levando mais, para que tudo seja fotografado.
Fiquei sem reação, honrado e preocupado com a responsabilidade em transportar tão importante legado.
Um mês depois, quando nos visitou em São Paulo, Eurípedes e Lian Duarte ficaram lado a lado, satisfeitos e motivados, trocando confidências sobre a tarefa difícil que foi guardar por décadas o acervo de Allan Kardec, Canuto Abreu e Chico Xavier. Examinaram documentos, provocando recordações.
Um encontro memorável. Tomei a liberdade de abraçar a ambos, dizendo:
— Podem tirar o fardo das costas, vocês não estão mais sozinhos. A difícil tarefa está completa. Os espíritas sinceros estão mobilizados e vão ajudá-los a partir de agora. A memória de seu pai, Eurípedes, e a de seu avô, Lian, serão resgatadas, ganhando o destino que eles desejavam. Agora vão contar conosco!
Comentei, então, a minha surpresa pela rápida oferta de Eurípedes, com a profunda credibilidade de nos ofertar a tarefa, confiando que os originais fossem levados para tão longe. E ele, então, nos deixou ainda mais impressionados ao confidenciar:
— Chico Xavier, antes de partir, fez muitas recomendações para o sucesso da minha tarefa. Disse que tivesse profundo cuidado para que nada caísse em mãos erradas. Pediu que fundasse um museu em sua casa. Mas revelou que o seu legado seria divulgado no futuro junto com o de Kardec, e seria estudado por acadêmicos da universidade, alcançando a profundidade e o sentido original da Doutrina Espírita, pois ela estava sendo desviada por detratores. “Para você ficar seguro, meu filho”, continuou Chico, “saiba que aquele para o qual você deve entregar meu legado será indicado pelo homem da justiça. Essa será a hora certa!”
Assim Eurípedes descreveu as palavras do Chico, esclarecendo o motivo de sua segurança e determinação na parceria com a FEAL, deixando a todos emocionados, o senhor Onofre, o promotor Thales Cerqueira, os profissionais Flávio e Eliana, entre outros amigos presentes.
Nos meses seguintes, tanto nos laboratórios do CDOR em São Paulo, quanto no museu em Uberaba, todo o acervo preservado por Chico Xavier foi digitalizado e fotografado. Será integrado ao futuro Memorial do Espiritismo, ficando, assim, à disposição de acadêmicos, estudiosos e espíritas interessados em pesquisar a história do Espiritismo.
Foi a missão de Kardec e dos pioneiros leais deixar como herança a mensagem de esperança, transformação e conquista da liberdade para todos da teoria moral espírita, alavancada oferecida pelos Espíritos superiores para secundar a regeneração da  humanidade. O professor, até 1868, deixou em sua obra os conceitos fundamentais da Doutrina Espírita de forma inequívoca. Vamos, a seguir, recuperar essa Teoria Moral e seus conceitos, a partir de uma reconstituição do cenário cultural vigente durante sua elaboração, além dos movimentos precursores para seu adequado estabelecimento.

Referência:
1- Autonomia: a história jamais contada do Espiritismo/Paulo Henrique de Figueiredo — São Paulo (SP): Fundação Espírita André Luiz, 2019.